Ciência do comportamento, neurônios espelho e aprendizado através dos exemplos apreendidos: estes são os mecanismos básicos por trás deste comportamento moderno que temos relatos e experiências em nossos lares há alguns séculos. Mas por quê isso ocorre tão recentemente em nosso comportamento infantil e quais as mensagens espelhadas mães e pais passam para suas crianças capazes de gerar transtornos da personalidade e mau enfrentamento do futuro nas gerações "cabeça raspada"?
É muito recorrente ouvirmos histórias sobre um determinado dia, mães encontrarem suas crianças simplesmente raspando ou cortando os cabelos sozinhas. No interior de Minas Gerais o resultado desse comportamento era chamado de "trilho de rato" - uma frase para tentar aliviar o estresse das mães e pais que viam aquilo como um desastre, e uma forma de ensinar para a criança que é feio fazer isso, pois "ratos são nojentos e nervosos, logo eles vão passar aí e te morder!" - era o mais comum e ainda dito hoje em dia nos lares "modernos" mundo a fora.
Com base nessa premissa de passar uma lição de forma a repreender a atitude da criança para que não se repita, é que venho descrever este comportamento generalizado na conduta infantil de mães e pais quando isso ocorre também. E tentar apontar soluções básicas e simples de alterar o comportamento, ensinar limites para a criança, sem prejudicar seu desenvolvimento de personalidade com transtornos ansiosos ou narcisistas.
Vergonha, culpa, tristeza, inferioridade, busca por reconhecimento afetivo...
Vamos conversar sobre como esses sentimentos surgem e conceituam as estruturas de funcionamento do aprendizado ou as falhas deste processo psicológico e cultural em nossa sociedade moderna. Vale lembrar que esses padrões não estão somente no "cortar os cabelos", como também quando crianças ainda em fase de aprendizagem gostam de buscar semelhanças nos comportamentos de seus cuidadores. Por exemplo, é comum ver após a fase do engatinhar, independente do sexo biológico da criança, elas tentarem usar roupas da figura materna. Isso não irá formular um imaginário sexual na criança enquanto escolhas de parceiros, nem tão isso fosse um problema real.
Ao buscar interpretar os comportamentos intrínsecos no vestuário, gesticulação, forma de fala e até mesmo nos trejeitos do andar, a criança busca se reconhecer enquanto indivíduo forte, que poderá estar lado a lado de sua cuidadora! É a primeira expressão de amor reconhecido vindo dessas pequenas mentes de forma espontânea e genuína. Porém o mesmo comportamento de repreensão e repressão são novamente engatilhados pelos cuidadores e uma neurose se instala na memória infantil.
O problema é que ao alcançar a fase adulta, essas crianças que não foram ensinadas com cuidado e limites necessários para seu desenvolvimento enquanto indivíduo, pessoa e cidadã, ocorre o processo de separação tribal inevitável e comum dos últimos séculos: Mais e mais famílias se tornam individualistas, com baixa repercussão comunitária, isoladas na tentativa de sentir menos dor, mas ansiosas por um reencontro familiar onde tudo poderia ser perdoado e zerado, reiniciado. Algo que provavelmente tem pouca ocorrência na realidade das estruturas sociais.
Não que o cuidado e o afeto tenham sido desfeitos nas famílias, mas até mesmo em encontros familiares de pessoas que foram criadas sob um lar ansioso e muitas vezes violento, ou não querem estar ali, mas precisam por se sentirem julgadas pela sociedade; ou vão tentar desabafar em uma roda de conversa nada coletiva, com poucos aspectos necessários para o cuidado, se odiarem, xingarem, afastarem... Até o próximo Natal...
Reconhecimento e identidade, modulações da imagem autoimagem e aceitação social...
Como os módulos de reconhecimento vão formar nossa identidade e como nos apegamos a esse conceito de falsa crença sobre nós mesmos, numa identidade real e genuína?
A recorrência deste comportamento de certo vem de simples vivências que a criança é obrigada a passar pelas escolhas de seus pais e mães. Ao se inserir numa sociedade moderna, a família passa a buscar os preceitos que farão a sociedade os aceitar, para que assim possam conseguir trabalho, renda, sobrevivência e desenvolvimento cultural.
O reconhecimento surge logo cedo na formação cerebral dos recém-nascidos, pois estão constantemente espelhando comportamentos que assimilam da maternidade, esta que os alimenta, cuida, protege e forma laços afetivos com o bebê. Este cuidado reflete em seu imaginário inconsciente a primeira forma de se sentir amado. Quando está na próxima fase do desenvolvimento, a criança quer mostrar que quer ser igual a pessoa que a ama, então ela busca ferramentas para isso: usar as roupas de sua mãe ou pai, carregar objetos que parecem importantes para tentar proteger, abraçar constantemente ou querer dormir juntos e a premissa desse artigo: cortar os próprios cabelos. Mas de onde raios surge isso?
A família percebe, ou já era intrínseca nos indivíduos antes formarem um novo núcleo familiar, que há padrões na vestimenta da cultura onde estão inseridos. Não só nos trajes, como na forma de linguagem, costumes comunitários tais como festas, e no reconhecimento direto: a forma que se corta cabelo. Pode observar que uma criança na fase da puberdade quando desloca sua iconografia dos pais para um artista que representa seus ideais, ela quer ter o corte de cabelo daquelas personalidades. Sejam os grupos tribais de roqueiros, fanqueiros ou do "sertanejo" pop urbano, galera do futebol ou de quaisquer outras formas de expressões culturais: elas irão se ajustar ao padrão de maior aceitação de sua época e manifestação cultural fora do núcleo familiar, voltado para sua introdução na sociedade: escolas, grupos organizacionais sociais tais como igrejas; não interessa!
E quando mães e pais preocupados com o que a sociedade de SUA geração vá pensar de suas crianças ao fazer tais atitudes, elas acabam de destruir uma forma genuína de construção do saber não só das crianças, mas de algo que tiveram que "matar" em seu interior quando estavam crescendo também. Não se preocupem com essas fases, cuidadoras e cuidadores do agora. Logo suas crianças vão entrar na vida adulta e eles mesmos irão voltar aos padrões de aceitação da sociedade por pura auto repressão. Claro que alguns poucos irão continuar questionando esse modus operandi insano, enquanto outros acharão estar questionando, mas estarão aprisionados em um ego que formaram na abertura da adolescência em seu Eu reprimido.
Esse comportamento gerador de culpa exagerada e transtornos afetivos que desencadearão transtornos da personalidade irão ferir tão fortemente a natureza real das crianças, que elas se tornarão ansiosas, depressivas ou mesmo psicóticas diante a realidade. Nossos comportamentos agressivos mandam uma mensagem inconsciente de que não existe amor e bondade, logo a natureza do ego é prejudicada e afastada da natureza da consciência que emana do inconsciente precioso e profundo. Distantes das atitudes genuínas que eram representações de amor e reconhecimento no espelhamento neural dos comportamentos familiares, nossa mente adoece e acredita ser essa a realidade, pois ainda estamos vivos e sobrevivendo, não é mesmo?
Basta com essas formas agressivas tão presentes em nossas sociedades. É hora de reconhecer que a criança viu que você se alegrou quando viu ela com os cabelos cortados e por isso ela quis repetir aquele ato: para ver mamãe ou papai lhe darem parabéns! E provavelmente fazem isso para passar um recado inconsciente para você também: de que está distante demais das crianças que precisam de cuidado para crescerem bem, mas o trabalho ou a vida virtual os impede de dar um gesto de amor para suas crianças!
E como enfrentar esses dilemas comportamentais?
O primeiro passo é alterar o modo de usar as palavras quando precisa passar uma lição de limites para sua criança. Lembre-se, crianças não têm as mesmas capacidades cognitivas de compreensão de um adulto. Ela não enxerga o mundo mediano de nossa altura como enxergamos e não entende comandos e gestos como entendemos. Um rompante de palavras ou atitudes que visam castigar a criança irá repercutir em sua memória e aprendizado como formas de não reconhecimento, logo de que não é amada.
Expressar seu ressentimento para com a criança poderá ser na forma de uma atenção: "olha o que o neném fez! Vamos cuidar disso para ficar mais bonito (a)?", "Vem, mamãe (ou papai) vai ajudar com esses cabelos!" - Simples não é? E nem dói.
Aliás, vai doer sim em você essa prática do afeto, pois nosso ego aprendeu a ser narcisista, se encontrar apenas nos campos do "eu que sei, eu que aprendi, você não pode dar exemplos, pois eu que vivo isso", etc. e etc. Nosso ego se desenvolveu narcisista assim pois viemos de uma longa linhagem evolutiva que aprendeu culturalmente com a escravidão e a violência implícita nas atitudes "mais nobres" de nossas ações e trabalhos. Ferir o ego com um novo aprendizado e atitude dói muito, pois Narciso não quer se ferir, vai "dar ruim" para sua natureza tão bela e justa, não é mesmo?
E outro fator de mudança interna nessas atitudes está aí, na análise clínica para compreender os mecanismos de defesa de sua mente e tentar desenvolver um "novo corpo e roupagem" para um novo Ser você mesma (o)! Pois na Psicologia um dos estudos que buscamos desenvolver é sobre essa falsa noção de beleza e logo, por ser belo (a), é justa e nobre as atitudes e espelho para nossa sociedade. A beleza está além da busca simétrica nas assimetrias da vida e desejos pelo prazer pessoal - outra forma do ego se apegar na função narcisista e não querer desapegar de imagem jovial. Mas estamos em "queda livre", numa gravidade quase infinita que arrasta nossos corpos e deteriora nossas células. Não se veja como ser perfeito, pois ninguém é, apelas a Real Beleza que é a Natureza em sua Divindade. Retornemos ao básico: o cuidado e o amor fraterno!...
Por Michel L. C. Araújo - Psicólogo Especialista, Escritor e Artista.
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