Nas décadas recentes pessoas da academia de pesquisa em ciências do comportamento, ou Psicologia, e pessoas imersas na cultura "New Age", têm buscado referir o desenvolvimento da Psicologia Analítica de Carl Gustav Jung em seus termos particulares de entendimento do Mundo. Dentre estes conceitos, na academia apontam que Jung não era místico, mas sim um cientista empírico. E por vir muitas vezes de ramos duvidosos do esoterismo moderno afirmar que Jung era místico, uma discussão sem pé-nem-cabeça causa tanta dispersão entre categorias que poderiam trabalhar juntas para o cuidado com pessoas que buscam as diversas terapias dispostas no século 21.
Vamos primeiro compreender o que realmente significam os conceitos "místico" e "empírico" antes de traçarmos um diálogo sobre os métodos junguianos. E também tentar responder: o por que precisam tanto de um referencial (no caso Jung), para validar sua forma de experimentar o Mundo?
Segundo o postulado filosófico, Empirismo surge do argumento de que todo o conhecimento humano deve ser adquirido de experiências sensoriais. A partir das vivências os indivíduos adquirem saberes, consciência e aprendizado, e não através dos instintos. Há a Indução que através dos atos adquiridos forma a observação da realidade, indo de encontro às Leis e Teorias desenvolvidas e acumuladas pelos saberes humanos, e por fim, a Dedução que poderá ser comprovada através de previsibilidade e explicações palpáveis.
O dicionário geral também contempla que este conhecimento provém não apenas pelos sentidos e mundo externo, quanto da introspecção e apreensão do mundo subjetivo. Mas que descarta revelações ou transcendências místicas e também apriorísticas, inatas do racionalismo e cientificismo. Estes últimos em um artigo futuro sobre a crítica ao racionalismo e poder pela alienação de controle vistas por Nietzsche poderei detalhar mais.
Já o conceito místico em uma rápida pesquisa poderá encontrar sua formulação sobre pessoas que tendem a crer em entidades ou forças sobrenaturais. Na derivação da palavra grega μυστικός "mystikos", que referiam aos iniciados em alguma religião de mistérios, também derivando de sua sintaxe da contemplação ao "fechar os olhos" e receber experiências intuitivas e diretas de uma fonte metafísica. Neste critério, a experiência mística fica caracterizada como não suscetível a verificações concretas.
Todavia, algo se perde nas conceituações modernas dos pronomes e adjetivos utilizados corriqueiramente pelo simples fato de que a espécie humana não tem a capacidade de acesso à sua memória histórica e biológica, a não ser por fontes que puderam se preservar ao longo das devastações naturais do tempo e dilatação espacial. A própria mística está referida aos mistérios da Natureza. Sua real derivação vem deste fenômeno por assim dizer, empírico, das inúmeras tentativas de conhecer e descrever a Natureza e seus ciclos, dos quais eram chamados de Mistérios no mundo antigo.
Os Mistérios por assim dizer "decifrados" e codificados eram por sua vez transformados em alegorias que facilitariam o entendimento geral das dinastias. Assim se formaram os sistemas com suas chaves místicas de compreensão do Universo através dos Mitos, contos fabulosos, causos e em um grande aglomerado, a formação das políticas públicas que ditariam a ética de convivência das poles civilizadas. Místico é aquele que se debruça em conhecer a Natureza que o compõe e conecta com o amplo sentido da existência e assim, formalizar métodos introspectivos de aprendizado e direcionamento do saber, tal como se é feito nas meditações (antigas e modernas, adaptadas pelas neurociências).
Desta busca pelos mistérios, surge então o termo "ocultismo", daqueles que buscam o que está oculto e desvelar seus segredos. Usualmente nas ordens esotéricas atuais, o ocultismo foi formulado entre os séculos 16 à 19, através de autorias muitas vezes confusas e tantas outras de imenso empenho em pesquisas. E dessa imensa "sopa caótica" dos termos e conceitos, a dúvida sobre quais critérios utilizados por cada senda iniciática, seja dos ocultistas ou das academias científicas, uma briga na tentativa de adestrar referências se instala, principalmente no Brasil. Mas por que?
O povo brasileiro é caracterizado por uma imensa falta de reconhecimento histórico. O próprio povo desconhece sua história e narrativa de construção enquanto nação. Isso gera um complexo que deriva na tentativa de classificar personalidades mundialmente famosas dentro de sua categoria de conhecimento. Vide este fenômeno neste artigo sobre o quanto repetem que Jung é empírico de um lado e místico pelo outro campo do saber. Buscamos trazer autorias diversas para validar nosso discurso, onde muitas vezes essas personalidades históricas não estavam nem aí para isso, ou quando estavam, também viviam o impasse de buscar seu reconhecimento e, com isso, sua formalização na sociedade.
O próprio Freud lutou muito na academia médica por este reconhecimento quando referiu ao inconsciente como seu objeto de pesquisa. Sofreu retaliações das quais o levou a aprimorar sua pesquisa e termos hoje a Psicanálise como uma ferramenta clínica e de pesquisa dos fenômenos do comportamento como base. Não só ele, como Einstein e Newton, dois grandes "cabeças" da Física, são tratados nos artigos acadêmicos como seres extremamente racionais e científicos, deixando de lado suas interações com a Cabala e com as filosofias orientais, tais como o hinduísmo. Freud por sua vez tentou ocultar suas fontes judaicas, mas para qualquer bom observador sua formação da tríade psíquica reflete a trindade mística cabalística. Além do complexo de Édipo já ter sido referido anteriormente por Éliphas Lévi, o ocultista que cunhou o saber hebraico nas fontes misteriosas do tarô.
Essa necessidade de ter um patriarca que confirma nossas deduções ou aprendizagem está mais ligado ao medo irracional de não sermos aceitos em nossos grupos de amizade ou diálogos de formação, do que propriamente do fato de que essas pessoas eram simplesmente pessoas que buscavam também validar suas obras. É prudente sim, desmitificarmos critérios adotados erroneamente que possam prejudicar a saúde física e mental nossa e de outras pessoas, distanciar de pseudociências ou extravagâncias esotéricas sem preceitos reconhecidos por Ordens. Assim como confrontar líderes que utilizam deste conhecimento quando estes estão apenas inflando seus egos com a premissa de que são os verdadeiros detentores de uma verdade.
Enfim, respondendo a premissa deste artigo, se Jung era empírico ou místico, bem, podemos dizer que ambos. Carl G. Jung rompeu seus laços com Freud por perceber que os fenômenos religiosos não poderiam ser descartados como simples fatores traumáticos individuais e desenvolvimento subjetivo apenas da linguagem do inconsciente individual. Ao perceber que a Natureza e o ambiente causam sim, transtornos mas também formas de assimilação e recuperação do ego fragmentado ao todo do inconsciente, Jung lançou luz nos epistemos científicos que se dedicavam a simples causas laboratoriais observáveis. Sua dinâmica de interação foi tão absurdamente enriquecedora que hoje podemos dizer que as ciências sociais e antropológicas, assim como os saberes tradicionais de ordens esotéricas, foram profundamente influenciadas por essa pessoa, por conseguir reorganizar saberes antigos aos modernos e aceitar que a Natureza interage com nossa forma de compreender o Mundo através de movimentos interativos, ou a Sincronicidade.
Em uma determinada época avançada de sua vida, Jung pôde nos oferecer aquilo que firmou a base da Psicologia Analítica: os saberes alquímicos, dos quais afirmou serem não só os precursores da Química moderna, como também elaborações daquilo que a clínica psicológica médica busca ao melhorar a qualidade de vida das pessoas. A partir dessa observação, aliados e colaboradoras do Instituto em Zurique, encontraram fontes ainda mais antigas sobre a origem da Alquimia nos conceitos Gnósticos. Muitos destes conceitos estavam fragmentados, até que a descoberta dos escritos do Mar Morto em Nag Hammadi trouxe luz sobre a forma como viviam e desenvolviam a ética dos essênios. A essência solar da qual Jung buscava as fontes lhe foram trazidas de forma sincrônica também por um dos primeiros postulados orientais traduzidos para o ocidente, em "O Segredo da Flor de Ouro". Pronto, agora estava claro que os saberes ancestrais se comunicavam dinamicamente na profusão das comunidades arcaicas.
Hoje sabemos através fontes arqueológicas que estes povos se locomoviam a grandes distâncias tanto para aprender algo com outras populações desenvolvidas, quanto para levar seus tesouros do conhecimento (ou ciências) para diversos cantos. Nas poucas obras que sobreviveram de Alexandria, podemos perceber interações dos saberes de tratados farmacológicos egípcios entre outros povos africanos, gregos e chineses! Além de outras profusões filosóficas da Índia e de povos celtas também. Mais uma contribuição deste pesquisador que não teve medo de enfrentar o racionalismo vigente e propor uma intensa comunicação entre artes, ciências, religião e evolução da psique humana.
Em sua velhice, Jung trabalhava em lapidar pedras com dizeres simbólicos da Alquimia, além de ter um laboratório no estilo medieval para fazer espargiria e outros experimentos, os quais o ajudavam a elaborar suas práticas de pensamento intuitivo que aplicava em suas obras psicológicas. Um verdadeiro empírico/místico este cientista, não é?
Claro que se formos desdobrar em pesquisas que Jung fazia, este texto iria se alongar ad eternum. Pois este buscava fontes em filosofia, biologia, metafísica e nas ciências modernas para compreender e elaborar sua forma de pensamento. Uma boa forma de conhecer seu pensamento e elaboração profissional seria através de autorias pós-junguianas, tais como Murray Stain e Nise da Silveira. Nestas fontes poderá conhecer mais como o Mapa da Alma e a Obra de Jung alterou de forma positiva a compreensão da mente moderna!
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