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O que é a tal da Escassez?

  • Foto do escritor: Michel Luiz
    Michel Luiz
  • 10 de ago.
  • 7 min de leitura

Mentalidade de escassez, escassez de espírito e escassez real: neste texto apresento a origem do tema da tal "mente escassa" utilizada nas palestras de treinamento empresarial, deturpada de sua originalidade: Os Limites da Riqueza e outras observações, trazidas pelo rabi Nilton Bonder em uma de suas obras "A Cabala do Dinheiro".


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Somos atravessados desde a tenra infância, aos contos fabulosos que trazem em si, características subjetivas ao modo de produção e trabalho servil. Vemos isso por exemplo, nos contos da Branca de Neve e os 7 Anãos, para além de sua construção psicodinâmica que envolve narrativas alquímicas e processos psicológicos. Tal evidência disso estão nas canções dos anãos e da princesa sobre trabalhar feliz e cantante, mesmo depois de chegarem de outro processo de trabalho exaustivo da exploração mineral. E outra dessas estorinhas infantis é o famoso conto sobre A Formiga e a Cigarra, trazido pelo poeta Jean de la Fontaine no século XVII - o qual atribuía a origem dessa fábula ser de Esopo, escritor grego do século VI Antes da Era Comum (a.C.).


Entretanto, sabemos que acúmulo de trabalho e poucos períodos de descanso e lazer, levam ao adoecimento físico e mental, tanto quanto o ritmo de trabalho industrial leva ao adoecimento social. Uma vez que este último tende a excluir pessoas que não se "enquadram" nos modos operativos instituídos ao trabalho repetitivo. Tal doença do novo normal, ou "normose" - como classificou um psicólogo da linha transpessoal, Pierre Weil - se consolidou na institucionalização do sofrimento mental, ou os famosos hospícios e manicômios. Advindos da "Era Moderna", tais instituições não operaram sua formação de subjetividade apenas nos institucionalizados. Sua lógica pautada na medicalização e lucro acumulado, gerado no adoecimento das populações, ainda se opera na formação de profissionais da saúde, no ensino básico e na filosofia de vida da pessoa comum, a qual acredita estar com algum mal que será combatido e remediado somente com os remédios. Ou seja, por mais que pareça que as pessoas estão "avançando" em alguma prosperidade científica, estamos apenas acumulando mais e mais escassez dos territórios da criatividade subjetiva, comumente conhecida como alienação e massificação coletiva.


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As atividades sociais e econômicas se tornaram um fim em si mesmas, não firmando um pacto de troca equivalente. É o que podemos adentrar aqui, sobre o capítulo "Os Limites da Riqueza", da obra A Cabala do Dinheiro. Ali o rabi afirma: abundância que gera escassez é dupla perda de esforço e de tempo. Vejamos as consequências disso...


Acreditamos que uma ascensão social que se dá através do acúmulo de bens, números bancários exorbitantes (acúmulo de lucros e dividendos), e todas as suas formas de padrão da burguesia e desigualdade é aquilo que nos leva à prosperidade. Essa abundância causa efeitos de exploração dos meios de produção, da classe trabalhadora e por fim, na esfera do empobrecimento da experiência que nos faz humanos. Nilton Bonder denomina esses fatores de "limites da riqueza", dando um conceito sobre as diferenças do que é riqueza nos capítulos anteriores de sua obra. Estes limites são: o de tempo, os limites ecológicos e os limites éticos. Para fins de entendimento de como isso se opera nos significantes subjetivos do mercado, do dinheiro e sua troca ou acúmulo, é que venho lhe apresentar essa perspectiva tão alterada no entendimento sobre a escassez que ouvem-se por aí nas redes sociais, na linguagem de coaching.


Nossa mortalidade e o que tange os tantos "sentidos de vida", causam um impacto significativo quando surgem "espaços de tempo vazios". A lógica operacional, ou modus operandi, nos impulsiona a estar sempre produzindo para combater a escassez, nesses momentos: a nos tornarmos formigas operárias. Todavia, formigas sobrevivem com os fungos que crescem no acúmulo daquilo que extraem da natureza. E elas agem numa cooperação inconsciente. Ora, não há formigas com uma mente complexada ao ponto de construir questões filosóficas sobre o significado de suas existências; elas apenas vivem.


O esgotamento da máquina subjetiva ao tentar preencher esses espaços "vazios" de tempo, tem impactado a ecologia em suas múltiplas camadas, principalmente nos poluentes que esgotam e tornam escassos biomas inteiros. Por exemplo, a indústria da moda gera e acumula peças de vestuários anualmente com sua "fast fashion". Segundo os dados levantados pela Agência Brasil EBC em 2022, a indústria da moda é a 2ª maior causadora de poluição no planeta! Na imagem a seguir, emitida pela BBC Brasil, vemos um caminho gigantesco de roupas descartadas por essa indústria, ao longo do Deserto do Atacama no Chile:


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Eu estive por lá em agosto de 2024... Em um dos passeios sugeridos pela minha esposa, foi o de pedalar pela rodovia do deserto para procurar um rio e um complexo de mineração. Ao virarmos por um sentido alternativo, encontramos um desses lixões e um senhor já bem idoso, em sua bicicleta velha. Ele nos contou que ia até o lixão procurar qualquer coisa que desse para tirar uns trocados e garantir o alimento da semana para sua família.


O escritor Nilton Bonder contrapõe esse acúmulo de produção que gera escassez, com o argumento de que o tempo deveria não ser somente usado ao trabalho; como também aos estudos de elaboração da consciência, quanto às necessidades fisiológicas. E acrescenta que somente ao "tempo excedente" destinado aos estudos é que deveríamos "estocar" mais tempo. Ele diz que "o estudo verdadeiro é o que não leva a nada", nos levando a suportar o vazio existencial que nos assola de tempos em tempos, através da cultura e entendimento de ser. O rabi descreve suas observações econômicas e espirituais nos anos de 1999 e na virada do próximo século, este atual que nos encontramos, sabemos que grandes corporações, tais como a Amazon, não permite nem mesmo as necessidades básicas do corpo e sua fisiologia, de agir naturalmente; quanto mais permitir o acúmulo de tempo para a capacitação psíquica e cognitiva de seus "colaboradores"... Enfim...


Mas como de fato o acúmulo de riqueza e trabalho gera essa escassez?


O ato de estudar, ou seja, buscar a compreensão da existência humana através do conhecimento acumulado ao longo dos milênios; interfere em nossa riqueza! E tem imensa importância para a formalização do mercado e comércio. As culturas ancestrais entendiam bem disso, não à toa as divindades que se atrelavam ao comércio e criação da medicina, eram muitas vezes entidades escrivãs, matemáticas, da comunicação e civilizadoras; tais como Thoth no antigo Egito, Hermes e suas múltiplas formas mercuriais nos gregos, romanos, etc. E o que mais poderia melhorar e ampliar nosso vocabulário, memória e formas de se relacionar, do que entidades comunicacionais?


O grande negócio que podemos firmar é o de estudar! Logo na infância, entramos para as escolas a fim de estudar para crescer "e ser alguém", merendar no recreio, receber elogios pelas notas, ou sermos aborrecidos e criar traumas que perduram a vida toda. Isso quando de fato pode-se ter uma escola por perto... Quando jovens e adultos, estudamos para obter sustento e reconhecimento enquanto cidadãos de alguma qualquer nação, onde existimos. Até mesmo pelo prestígio, os diplomas e suas classificações de trabalho estão atrelados à essa corrida de ratos num mundo materialista esfolado ao estremo pelo acúmulo capital. Mas há ainda um estudo que nos leva à verdadeira maturidade: o estudar para quê? - para nada! Sem uma intenção e valorização capital, ou interesse por algum meio, se permite que o prazer obtido pelo conhecimento não seja dirigido ao trabalho e suas "recompensas".


Se se entende bem dos ciclos planetários no campo materialista, percebe-se logo que não há recursos infinitos para nada que extraímos da Terra. Então não há como haver nos campos virtuais do dinheiro, uma riqueza ilimitada que permita a existência real de acumuladores - chamados de bilionários e novos ricos, de fato. O estudo não gera escassez no sentido que ele não precisa exaurir o solo para obtermos ele, nem secar os rios ou gerar doenças em diversos animais que consumimos como alimentos. O acúmulo de dinheiro através do trabalho, sim gera escassez: milhares de pessoas para sobreviver, se colocam dispostas a realizar trabalhos que exaurem sua saúde, pagos com baixos salários, dos mesmos donos dos meios de produção que acumulam o lucro de forma exorbitante. Além do desequilíbrio ecológico, que para gerar tal riqueza em produtos, encerram ciclos de vida para a extinção, em muitos territórios explorados.


Garimpo ilegal registrado pela Agência Pública Brasileira, na Amazônia.
Garimpo ilegal registrado pela Agência Pública Brasileira, na Amazônia.
Mata ciliar de rios assoreados pelo avanço da cultura bovina, no Estado de Minas Gerais.
Mata ciliar de rios assoreados pelo avanço da cultura bovina, no Estado de Minas Gerais.

Bem, acho que o coach da rede social que prega o discurso sobre empreendimento e riqueza a todo custo, não vê essa parte do ciclo de depredação que é necessária para "inventar" seus lucros ali nas suas DEI Trends...


Isso não é de se estranhar, afinal também precisamos comer, dormir e trabalhar para existir, assim como estudamos para existir. O rabi então afirma que é quando trabalhamos mais do que necessitamos para existir, que produzimos a escassez - ou "existência jogada fora" - como ele traduz o conceito judaico de "B'TUL ZEMAN" e sua "perda de tempo". Não há abundância que supra uma escassez que ainda não existe. E auxiliar aqueles que não entenderam sua cultura e estão longe de uma segurança material. Esse é o sentido daquilo que nos torna humanos. Nem todo tempo deveria ser convertido em dinheiro.


A especulação lucrativa e seu acúmulo de hoje, leva o prejuízo no amanhã. Isso não representa riqueza. Nossa estética de existência pressupõe que quando usamos mais, ou o ter mais bens acumulados, mais ricos nos tornamos. Essa visão de algo ilimitado, nos torna meios entre consumir e defecar (poluir). Essa é a reprodução da reprodução dos produtos de consumo nas observações molares, vindas da Esquizoanálise em Deleuze e Guattari. Isso pressupõe muita atenção e afeto para a vida, não só a exploração do inconsciente como algo que drena o potencial da sobrevivência. A riqueza de vida exige um compromisso com a simplicidade e a qualidade. Mas cuidemos para não exagerar com a simplicidade, pois como afirma o rabi em sua obra, simplicidade demais causa o simplismo até com as ações cotidianas do cuidado com a higiene e saúde do corpo.


Texto por Michel Luiz, em 10 de Agosto de 2025.

 
 
 

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